domingo, 14 de dezembro de 2008

Zé e o sonho

José Carlos levanta cedo todos os dias, lá pelas cinco e meia. Senta na cama e dá uma rápida olhada pra janela. depois, levanta-se e vai decididamente ao banheiro, pra fazer a barba. Dá um tapa no espelho pra abri-lo (uma das dobradiças já se quebrou há tempos) e pega o barbeador. De maneira grosseira, passa a lâmina primeiro nas costeletas e bochechas, depois no bigode, queixo e pescoço (essa é a ordem correta).

Joga água no rosto para tirar o creme de barbear, e nota que se cortou. Isso o deixa com raiva, e ele chuta o vaso sanitário, machucando o tornozelo direito.

- Merda!

Passa uma toalha antiga no rosto, e antes de seguir para o quarto, dá uma olhada na bagunça da casa (que mais parece uma masmorra medieval), com lixo e latas de cerveja em todos os cantos. Diante do panorama, dá uma cusparada pela janela, que atinge em cheio a janela do vizinho. Come uma gororoba (que faz o papel de café da manhã), veste um traje de operário rasgado, calça um par de botas e segue para mais um dia de trabalho, durante o qual vai lidar com uma britadeira mais nervosa do que uma mulher com TPM.

Mais gororoba no almoço fornecido pela firma no canteiro de obras. Mas Zé Carlos (como é conhecido pelos colegas) está acostumado. Ao comer, ele dispensa os talheres ("isso é coisa de fresco, eu sou é macho!") e pega a comida com a mão. Em poucos instantes, a carne de galinha desaparece da quentinha. Um pedaço de carne cai no chão, e fica todo sujo de terra e cimento. Mas logo Zé Carlos o captura e joga na boca com a voracidade de um hipopótamo africano. Na medida em que Zé mastigava, todos ouviam a terra que estava na carne estalar entre os dentes dele.

Com um sonoro arroto (que impregna o ar do cheiro putrefato da comida), Zé comunica primitivamente aos demais que terminou de almoçar. Começa a contar, fazendo suspense e com uma alegria infantil, que aquele fim de semana prometia ser o mais feliz da vida dele.

- Vai ser de lascar. Tô dizendo, vai ser de arrebentar a boca do balão - falou Zé para os amigos, dado um solavanco em um colega de menor estatura. Os amigos logo ficaram curiosos pra saber o que tanto ele esperava, o que o deixava tão ansioso.

- Olha Zé, fale logo, senão todo mundo aqui vai morrer de curiosidade, e nós ainda temos um monte de serviço ali nos esperando - afirmou o Sinval, o mais "chegado" do Zé.

- Economizei o ano inteiro... esperei muito tempo, agora finalmente vou realizar o maior sonho da minha vida. Estarei lá, no Maracanã, gritando muito, vibrando, vai ser bom demais! gritou o Zé, com uma expressão facial tão esquisita que chegava a assustar.

- Vamos, homem! fale logo ou eu meto essa pá na tua cara, e depois ligo a britadeira bem nas tuas partes baixas! que diacho é isso que tu tanto espera?

Zé Carlos pegou Sinval pelos ombros, sacudiu-o de maneira violenta, olhou-o nos olhos e disse:

- Eu vou pro show da Madonna.



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